Ao tomar conhecimento de que um centro de educação infantil, sob orientação da Fundação Municipal de Educação, estaria solicitando laudos médicos atualizados, ainda que os documentos já tivessem sido entregues no ano anterior, a 3ª Promotoria de Justiça de Tubarão expediu recomendações para cessar a prática, respeitando a legislação vigente. A decisão mereceu o reconhecimento e a chancela da 3ª Turma Revisora do Conselho Superior do Ministério Público.
Para ter acesso aos serviços de educação nas redes municipal e estadual de ensino, crianças e adolescentes diagnosticados com transtorno do espectro autista ou deficiências permanentes e irreversíveis passam por uma avaliação individualizada para garantir um atendimento adequado à sua condição. Durante o processo, entre outros documentos, é apresentado o laudo médico com o respectivo diagnóstico que, nesses casos, têm prazo indeterminado, segundo a legislação vigente. Ocorre que, no Município de Tubarão, um centro de educação infantil e a Fundação Municipal de Educação estariam solicitando, anualmente, laudos médicos atualizados, mesmo que os documentos já tivessem sido entregues no ano anterior, fato que motivou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), por meio da 3ª Promotoria de Justiça da comarca, a recomendar que a prática fosse cessada.
Segundo um relato transmitido à Ouvidoria do MPSC pela mãe de uma criança diagnosticada com transtorno do espectro autista, embora já tivesse entregado no início de 2023 o laudo de seu filho, em fevereiro de 2024 o educandário infantil, sob orientação da Fundação Municipal de Educação de Tubarão, teria solicitado uma versão atualizada do laudo médico, juntamente com as declarações dos locais em que a criança fazia terapia. A comunicante também destacou a dificuldade no tocante à disponibilização de professor de apoio, apesar do laudo médico indicando a necessidade de acompanhamento, fato que a obrigou a questionar o Município para que se concretizasse.
Com base no relato, a 3ª Promotoria de Justiça de Tubarão instaurou uma notícia de fato que, após diligências iniciais, evoluiu para um inquérito civil, dando início às investigações. Foi constatado que a prática era recorrente e se embasava no parágrafo 2º da Resolução Municipal n. 001/2019, o qual estabelecia que o laudo médico tinha validade de dois anos. De acordo com a Fundação Municipal de Educação do Município de Tubarão, a solicitação anual do laudo médico servia para averiguar se o estudante estaria recebendo acompanhamento clínico adequado.
Para a titular da 3ª PJ de Tubarão, Promotora de Justiça Candida Antunes Ferreira, não restaram dúvidas acerca da ilegalidade da entidade escolar e da Fundação Municipal de Educação ao solicitarem, anualmente, atestado médico atualizado do público infantojuvenil que já tenha diagnóstico de transtorno do espectro autista ou deficiência permanente. Segundo ela, o disposto na Resolução municipal n. 001/2019 e a solicitação anual de atestado médico contrariam as normas de inclusão e todo o arcabouço normativo, estando em desacordo com o ordenamento jurídico vigente.
O entendimento da Promotora de Justiça de baseia na Lei Estadual n. 17.292, de 19 de outubro de 2017, a qual dispõe que o "laudo médico que ateste a deficiência permanente terá validade por prazo indeterminado", bem como a Lei Municipal n. 5.904, de 24 de maio de 2023, que segue o mesmo entendimento. "O poder público não deve fazer exigências despropositadas a quem já é rotineiramente demandado pelos cuidados requeridos por indivíduos com autismo ou deficiências permanentes. São condições de caráter definitivo, portanto a exigência de laudos médicos atualizados sobrecarrega os pais e responsáveis por tais indivíduos, razão pela qual não há justificativa plausível para tal exigência. Estabelecido o diagnóstico, não há razão para obrigar os responsáveis pelos infantes ou adolescentes a passarem pelas dificuldades na obtenção de um novo laudo", defendeu.
Candida Ferreira reforçou que o processo de avaliação, por si só, é cansativo e gera elevada ansiedade aos autistas e deficientes, acrescentando que esses indivíduos e seus familiares enfrentam dificuldades para o acesso aos seus direitos devido aos custos e à demora para a obtenção do laudo que comprove essa condição. "O Município de Tubarão deverá adotar outras medidas para averiguar se o público infantojuvenil está recebendo o devido acompanhamento médico, sem impor aos genitores e responsáveis legais a apresentação anual do atestado médico", afirmou.
Por fim, a Promotora de Justiça também reconheceu que não se mostra razoável condicionar a disponibilização do profissional de apoio escolar, e demais benefícios destinados aos alunos público-alvo da educação especial, à apresentação de laudo médico atualizado, se já foi comprovado anteriormente.
CSMP elogia atuação
Como forma de buscar uma solução para o caso na seara extrajudicial, a titular da 3ª PJ de Tubarão expediu uma recomendação ao centro de educação infantil para que encerrasse a prática de solicitar, anualmente, laudo médico atualizado para transtorno do espectro autista ou deficiência de caráter permanente e irreversível. Dessa forma, buscou preservar o público infantojuvenil que já tenha apresentado o documento.
Também recomendou ao Município de Tubarão a alteração do artigo 14, parágrafo 2º, da Resolução n. 001/2019/COMET/SC, a fim de que os referidos laudos médicos possuam prazo indeterminado. Em seguida, recomendou que a municipalidade se abstenha de solicitar, anualmente, por meio dos educandários e unidades escolares, laudo médico atualizado do público infantojuvenil que já tenha apresentado o documento.
O conselheiro da 3ª Turma Revisora do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), Procurador de Justiça Paulo Antonio Locatelli, que foi relator do procedimento iniciado na 3ª PJ de Tubarão, elogiou a atuação da Promotora de Justiça e reconheceu a importância de reduzir a sobrecarga desnecessária sobre os familiares e responsáveis pelos cuidados de indivíduos no espectro autista e com deficiência permanente.
Locatelli reiterou que a exigência de laudo atualizado para um transtorno e/ou doenças que são irreversíveis só contribui para o aumento da burocracia, gerando custo aos serviços públicos ou gastos para as famílias na rede privada. Por isso, reconheceu como eficaz a solução interposta pela colega e decidiu pela homologação do procedimento e arquivamento do caso.
Sobre a instância revisora do MPSC
Como segunda instância da Instituição, o Conselho Superior é integrado por Procuradores de Justiça eleitos pela classe, que analisam e revisam todos os procedimentos extrajudiciais finalizados pelas Promotorias de Justiça referentes a interesses difusos e coletivos, como a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, da educação, da saúde, do consumidor e de outros interesses metaindividuais - aqueles indivisíveis e que pertencem a vários indivíduos.
É o Conselho Superior do MPSC, integrado pelo Pleno e por três Turmas Revisoras, que determina que uma investigação arquivada pela Promotoria de Justiça seja homologada, encerrando o procedimento, ou que tenha prosseguimento nas diligências, inclusive quando da análise de recursos interpostos por quem não concorda com a solução dada para algum caso.
As Turmas Revisoras e o Pleno do Conselho Superior garantem maior segurança à atuação extrajudicial das Promotorias de Justiça na defesa dos interesses transindividuais, com reflexos para toda a sociedade.
Fonte: Coordenadoria de Comunicação Social do MPSC
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